13 de ago. de 2008

"O que é isso companheiro"

Fernando Gabeira começou a escrever este livro no dia em que tomou a decisão que mudaria o rumo da sua vida: ele abandonou uma das mais promissoras carreiras de jornalista de sua geração e mergulhou o mais fundo possível na aventura de colocar sua vida em risco para alcançar em contrapartida um mundo mais justo para todos.
Um sonho que se frustrou em parte mas que ainda continua inquietando seu coração, embora este romance seja - mais do que uma narrativa - uma meditação, onde Gabeira revê seu caminho e se pergunta que novos caminhos pode criar sabendo somente que, enquanto se vive, vale a pena se propor trocar a vida pela crença. Ter fé é preciso.
Eu me pergunto se este livro é um romance, se é um livro de memórias, se é um causo muito grande contado por uma testemunha ocular e atenta de sua própria história. Seja o que for, ele é escrito com a maestria de um experimentado romancista, um escritor de palavras precisas e adjetivos exatos, enxuto. Seis anos falando sueco na portaria de um hotel, de um cemitério ou no timão (?) de um carro do metrô não fizeram, Gabeira esquecer a língua portuguesa - e seus segredos - que ele dominava tão bem e que usava com zelo e perfeição nos tempos de copy desk do Jornal do Brasil. Tão bem ele usava as palavras de sua língua e tanto impressionava seus colegas de jornal, há dez longos anos atrás, que foi este detalhe a primeira coisa que o denunciou quando o embaixador dos Estados Unidos foi seqüestrado para a libertação dos primeiros prisioneiros da guerrilha urbana brasileira. O bilhete do resgate estava tão bem escrito, tão tecnicamente bem escrito que os colegas de Gabeira - que havia abandonado o emprego de Chefe do Departamento de Pesquisa do jornal para cair na clandestinidade - não tiveram dúvida: "Gabeira está nessa".
E não deu outra. Gabeira estava naquela de corpo e alma. E deste estar de corpo e alma quem pode falar melhor é ele próprio e é o que está feito nas páginas deste livro onde não há compósitos, onde não há insinuações, onde não há situações paralelas ou inventadas, onde não há nomes trocados nem dores imaginadas e que prova que o grande romance é a própria vida, recriá-la é ser fiel a ela na medida do talento de cada um. É mais ou menos esta a fórmula de se fazer um escritor. Há nas livrarias, um outro livro de Fernando Gabeira, incluindo a reprodução de sua entrevista publicada em novembro de 1978 no Pasquim. Embora esse livro já estivesse escrito em cada gesto anterior de Gabeira, me sinto um pouco responsável por ele estar aqui agora - o livro - e editado pela Codecri. Fui eu que tive a sorte de topar com o Fernando, de repente, em Paris, no momento exato em que ele devia, queria e precisava voltara falar com todos os amigos do Brasil. Foi então que fiz a entrevista que o Pasquim publicou com tanta repercussão. Mas, terminada a entrevista eu falei pra ele: "Agora queremos o livro. Queremos tudo isto que você falou aí, contado minuto por minuto, por fora e por dentro de você - como se eu pudesse lhe dar a fórmula - o romance da sua grande aventura". O que me deixa mais contente no final desta história é que o soneto me saiu melhor do que a encomenda, o romance muito melhor do que o pedido.

Meu amigo Fernando Gabeira é um jornalista, foi um guerrilheiro, é um político atuante e lúcido, um possível líder sereno e incisivo. Mas, ao final deste livro o leitor vai descobrir que, mais do que tudo isto, aqui e agora - Fernando Gabeira é um escritor.

Ziraldo

* Se alguém quiser me emprestar ou dar de presente o livro, ficarei bem feliz!